sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Refletindo: A arte de se aventurar.


Um dia, esperando um amigo na estação central do metrô, você dá de cara com um primo que não via há tempos e ele lhe oferece um ótimo emprego em Cingapura. Você se muda para lá e aluga um apartamento vizinho ao do antigo mordomo de Elvis Presley. Um ano depois, em viagem de negócios a Memphis, nos Estados Unidos, visita Graceland e se apaixona pela guia de turismo. Vão passar a lua-de-mel em Paris, onde seu novo cunhado é gerente de um restaurante cinco estrelas. De repente, você se vê sentado em frente a um escalope de foie gras de canard a l’orange et au pain d’épices, sem saber bem qual garfo usar.
Se os escritores criassem histórias tão cheias de acasos quanto as da vida real, nunca seriam publicadas. “Seu livro não faz sentido”, diria o editor. “Os leitores não querem narrativas intermináveis que não levam a lugar algum”.
Mas a verdade é mais estranha que a ficção. Muitos têm uma vida real que faz das regras de ouro da literatura criativa uma piada. Nossas ações jamais seguem um roteiro linear. Nós nos distraímos e divagamos à mercê das coincidências que sempre parecem sabotar o projeto mais perfeito. Ao contrário do que dizem os historiadores, o encontro com o destino é coisa rara entre os seres humanos.
Só existe um tipo de história capaz de imitar a vida real e ainda assim conquistar a atenção dos ouvintes. É a aventura épica, gênero muito particular da literatura. Histórias de aventura não precisam de roteiro. Ao contrário dos livros de detetive, suspense, romance e vingança, não há nenhuma relação de causa e efeito nessas longas narrativas – apenas viradas de sorte que carregam o herói de um lugar exótico para outro, sem rima nem razão.
Incluindo odisséias tão complicadas quanto a jornada de Ulisses, as histórias de aventuras nos mantêm em suspense com uma sucessão de eventos imprevisíveis. Uma coisa sempre leva a outra. Os leitores ficam mais interessados em saber o quê, quando e onde do que em descobrir por quê.
Com a vida é a mesma coisa. O que vai acontecer em seguida é mais intrigante que o que vai acontecer no final, porque cada final é um começo. Sair de casa coincide com embarcar em uma nova vida. Deixar um emprego é a oportunidade de ir em frente. Casar dá a chance de começar uma família. E assim a história segue, com cada encruzilhada dramática marcando uma nova gênese.
Viva a vida como uma aventura, resistindo à tentação de explicar tudo. Não perca tempo pensando por que os homens têm medo de compromisso, por que as pessoas devem aprender as regras antes de quebrá-las, por que sua fila sempre é a mais lenta.
Evite usar a apalavra “porque” para justificar seus atos. Sobretudo, nunca diga “porque te amo”, ou “porque é bom para você”, ou “porque me disseram que sim, ou “porque preciso do emprego”.
Tenha cuidado ao designar causas e efeitos a eventos que você obviamente não entende. Algumas desculpas esfarrapadas: trauma de infância, o movimento dos planetas, os efeitos da cafeína, Nostradamus, o governo, hormônios, o tempo, rivalidade entre irmãos, violência na televisão, a economia, a ética puritana, a civilização ocidental.
Em outras palavras, não espere que os fatos de sua vida se encaixem em um roteiro pronto para o horário nobre. Esteja certo de que, se você ficasse famoso, seus biógrafos perderiam o sono tentando entender suas motivações interiores. Deixe que sua vida seja o poema épico que deve ser. Abrace cada momento por seus próprios méritos, um de cada vez, na sequência em que forem acontecendo.
http://www.simplescoisasdavida.com/a-arte-de-se-aventurar/

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