segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Verba depende de influência.

Brasília - A receita para um município conseguir recursos em Brasília exige uma pitada de necessidade e explicações técnicas, muita sola de sapato e um punhado enorme de contatos políticos. A fórmula fica evidente em casos como a distribuição de verbas do Ministério do Turismo nos últimos três anos para as 399 cidades paranaenses. Segundo levantamento publicado pela Gazeta do Povo há seis dias, a recordista de convênios é Jandaia do Sul, no Noroeste do estado, que fechou contratos de R$ 15,3 milhões com a pasta – mesmo sem ter atrativos turísticos.
Uma das justificativas está no traquejo político do prefeito do município, o ex-deputado federal José Borba (PP). Réu do processo do mensalão que tramita no Supremo Tribunal Fe­­­deral, ele já foi líder do PMDB na Câmara e um dos congressistas mais influentes do país. A dica de Borba para o sucesso em Bra­­­sília é simples – qualquer cidade pode conseguir dinheiro do governo federal, desde que apresente projetos que correspondam ao programa que o go­­­verno tem.

Sistema é “combustível do clientelismo”
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, vem defendendo nos últimos anos uma proposta para acabar com as emendas parlamentares e criar um fundo de recursos com repasses obrigatórios aos municípios. A ideia, segundo ele, virou chacota entre os congressistas. “Eles dão risada. É claro que não vão aceitar algo para perder força.”
Para Ziulkoski, os convênios que dependem das transferências voluntárias são o principal combustível do clientelismo no sistema político brasileiro. “O uso do dinheiro público vira uma política de partido e não de governo. Mas é bom ressaltar que isso não vem de agora. Está instalado há décadas e ninguém quer mudar.”
Nessa linha, ele critica o comportamento do governo na suposta “faxina” promovida nos ministérios envolvidos em escândalos. Para conter atritos com a base aliada no Congresso, a presidente Dilma Rousseff tem se mostrado disposta a liberar cada vez mais emendas. “Quer fazer uma limpeza? Então comece na causa e não no efeito”, complementou.
Cada um dos 594 congressistas tem direito a indicar R$ 13 milhões por ano em emendas individuais ao orçamento da União. Somado, o valor reservado chega a quase R$ 8 bilhões. Pela proposta de Ziulkoski, o fundo formado com esse dinheiro seria encaminhado direto às prefeituras, a partir de critérios técnicos e de necessidade.
Deputado federal de primeiro mandato e ex-prefeito de São José dos Pinhais, Leopoldo Meyer (PSB) concorda que o ideal para os municípios é reduzir o volume de transferências voluntárias e engrossar as obrigatórias. “É muito desagradável essa aflição de não saber se o recurso vai ser liberado, tanto para o prefeito como para o parlamentar. E ainda há a população, que cria expectativas e as coisas não acontecem.” (AG)
Há outros episódios recentes. No ano passado, um estudo da organização Contas Abertas mostrou que, durante a gestão do baiano Geddel Vieira Lima (2008 a 2010), o Ministério da Integração Nacional repassou R$ 555,3 milhões para 756 órgãos públicos municipais de todo país. Desse valor, R$ 255 milhões foram para cidades da Bahia; e as administradas pelo PMDB, partido do ex-ministro, ficaram com R$ 224 milhões.
A mesma organização divulgou um balanço no começo deste mês que aponta o Maranhão como recordista de convênios firmados pelo Turismo com os estados. Desde janeiro, a pasta é comandada pelo maranhense Pedro Novais, afilhado político do presidente do Senado, José Sarney, que por sua vez é pai da governadora do estado, Roseana Sarney. Os três são do PMDB.
“A falta de transparência na elaboração e execução do orçamento e a politização da distribuição de recursos são portas abertas para a corrupção”, avalia o diretor da Contas Abertas, Gil Castello Branco. Os problemas começam na forma como a União efetua os repasses aos municípios. Há dois tipos de transferências: as constitucionais/legais e as voluntárias.
No primeiro caso, os repasses do governo federal são obrigatórios. No segundo, União e municípios fecham acordos para viabilizar a transferência. Como disse José Borba, é nesse momento que os municípios apresentam projetos para se encaixar dentro de programas de governo.
Os recursos para esses programas no orçamento normalmente são “engordados” pelas emendas parlamentares. Ainda assim, a decisão de realizar ou não esse tipo de transferência fica nas mãos do governo. É aí que entra o jogo político.
O presidente da Associação dos Municípios do Paraná, Gabriel Samaha (PPS), define como “triste” a necessidade de pedir apoio a parlamentares para fazer os convênios andarem. “Os prefeitos se humilham e os deputados se desviam de sua função em algo que deveria ser estritamente técnico”, diz ele, que é prefeito de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.
Segundo números da Confe­­deração Nacional de Municípios, de toda a receita disponível dos municípios brasileiros em 2009, 12,7% eram originárias de transferências voluntárias. Essas verbas acabam sendo a principal fonte de investimentos para as prefeituras.
Consultor legislativo da Câ­­ma­­­ra dos Deputados e professor de Economia da Universidade de Brasília, Roberto Piscitelli afirma que faltam critérios de controle e fiscalização dos convênios. “O defeito é permitir que o Executivo e seus ministros tenham uma discricionariedade tão grande de quanto e quando é liberado”, diz Piscitelli.

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